domingo, 8 de janeiro de 2023

Guichê de cartório

- Oi

- Oi, boa tarde. No que posso ajudar?
- Então, que eu tô com um negócio aqui pra falar, mas não sei mais como anda o conceito disso, sabe? O que eu vejo por ai anda meio estranho, tem valor de menos, tem quem troque todo dia. Ai eu resolvi protocolar, né? Pra ter certeza e tal. 
- Claro, todo documento registrado aqui vai ter valor legal. No que podemos ajudar?
- Eu conheci essa menina faz uns meses e ela disse que me ama. Eu quero protocolar isso.
- Como?
- Tornar oficial. Tipo: "olha aki a fulana, que ama o joão vicente, tá no cartório". Desse jeito.
- Mas senhor, não é assim que funciona,
- A relação não é um contrato?
- Sim, mas é que...
- Mas é que o que? Eu quero que isso fique valendo. Pra não me dar problema depois.
- O senhor já amou alguém?
- Mas já, claro
- Não, não. Eu digo amar, AMAR mesmo. Amar muito. De verdade. De amar sem fôlego, sem passado ou futuro mas só aquela presença que é um sonho e uma realidade ao mesmo tempo. Amar tanto que, mesmo vestida de defeitos, aquela pessoa é só a qualidade que importa. Já amou assim?
- Não, mas mesmo assim, quando alguém diz que me ama, entra em compromisso.
- Não, meu amigo. Quando alguém diz que te ama, diz segundo os próprios conceitos, segundo a própria realidade. Cada amor tem uma realidade, uma egrégora que lhe pertence... isso é verdade. E cada um desses tem seu próprio equilíbrio, mas ainda assim, cada indivíduo tem seu próprio conceito de "amor" e um "eu te amo" não tem mais valor que uma lágrima de bêbado quando dito da forma errada.
- Então como eu sei se me falam a verdade?
- Até onde se acredita tem mais a ver com até onde se quer acreditar do que com a verdade per se. Até onde você quer ir? Vá.
- Acha que devo ir?
- Sim, vá.
- Mas vou até onde? Namoro? Casamento?
- Não sei, isso é problema seu. Quero que vá embora, está atrapalhando a fila.