Marília chega em casa depois do trabalho. Está cansada, o
dia no restaurante foi difícil como sempre e ela já sabe com antecedência que
Alfredo não cumpriu sua parte das tarefas domésticas. Pensa alto na escada que
dá acesso ao quinto andar:
-- Vagabundo filho da puta, nem levou o lixo. Maldita hora
em que ele foi demitido.
Mas também, fazer um bolão de apostas sobre quando que
Chiquinho, o filho do dono da empresa, iria assumir a zoofilia foi forçar a
barra. Ganhar o bolão quando Chiquinho fugiu com o dálmata do Seu Aparício do
RH foi demais pro seu Francisco. Foi pra rua.
Marília gira a chave e entra em casa. Quase desmaia, e ao
mesmo tempo fica surda. Animais de diversas raças, tamanhos e cores. Gatos,
cachorros, porcos, cacatuas, tartarugas, um mini pônei com a faixa "Beto
Carreiro World", uma avestruz e, a cereja do bolo, em um canto afastado,
uma vaca holandesa premiada. Marília se descontrola e grita:
-- Que porra é essa, Alfredo?
Automáticamente todos os animais começam a gritar, latir,
miar, tartarugar, relinchar e sabe-se lá mais o que. Em pânico, Marília pensa
em se jogar pela janela. É quando uma voz de comando autoritária acaba com a
zorra. "CALADOS!!" Era Chiquinho. Todos os animais se calam. O
papagaio começa a contar uma piada, mas é fuzilado pelo olhar de Chiquinho e se
cala. Ao seu lado, protetora e ameaçadoramente, está o Dálmata. Olha pra
Marília e mostra os dentes.
-- Chiquinho, o que está acontecendo, cadê o Alfredo?
-- Está ali no canto, atendendo os clientes.
É então que Marília percebe. Tem vários seres humanos na
sala, em um canto afastado, estavam atrás da vaca. Parecem endinheirados. Ela
reconhece uns dois ou tres rostos dos noticiários na TV, políticos, parecem e,
peraí, aquele ali não joga no Santos?
Marília começa a tremer, e olha pra janela de novo. A tensão
no ar é tanta que se poderia cortar com uma faca. O papagaio começa a falar de
novo e é interrompido pelo orangotango. "De onde saiu esse macaco???"
Marília começa a chorar. Alfredo resolve intervir, pede licença ao senador e
vai acalmar a esposa, que insiste em olhar para a janela.
-- Oi meu amor, tu me parece um pouco nervosa, quer um chá?
-- Nervosa, Alfredo? NERVOSA? Por que eu estaria nervosa, só
porque tem um serengueti aqui em casa? Nãããããão, eu estou calmíssima. Não quero
chá, me alcança aquela garrafa de uisque. E quem é aquele ali, é o rapaz
daquela banda colorida? Se fosse o Daniel pelo menos...
-- Ah mas o Daniel vem mais tarde, ele quer conhecer a
mimosa.
-- Mimosa, a vaca? Como assim? Alfredo, tu tá de cafetão
desses bichos todos?
-- Marília, não fala cafetão que pega mal. A clientela é
fina e paga bem. Aqui nós oferecemos um serviço de acompanhamento animal.
Última moda na europa. O Neymar, por exemplo, quer experimentar o orangotango e
a tartaruga. Me parece que o Adriano quer conhecer um ornitorrínco, mas tá meio
difícil de conseguir um...
-- Alfredo, isso é ridículo, esse dálmata está me encarando
de um jeito sinistro, e tenho quase certeza de que é ilegal o que está
acontecendo aqui. Vou pra casa da mamãe.
E Marília corre pra se jogar pela janela. Por sorte é
impedida pelo Senador e pelo vocalista da banda colorida, que a seguram em
tempo.
Alfredo ficou muito, muito rico, comprou um circo e teve que
mudar-se para a Somália, pois estava sendo investigado pela Interpol, tráfico
de animais em extinção. Chiquinho casou-se com o dálmata, e alugou a barriga de
uma dog alemão de raça pura, e agora espera sua segunda ninhada. É um pai
responsável e amoroso, além de ter feito as pazes com o Seu Aparício, que as
vezes aparece pra visitar a família feliz. Marília foi embora, continua
trabalhando no restaurante e casou-se de novo, com Orlando, um dentista. O
único problema é que, quando Orlando brinca com algum cachorro na rua, Marília
tem uma vontade quase incontrolável de se jogar pela janela. Coisas da vida.
2 comentários:
AHUihUIAhuiAHuihAUI
Animal TIO, muito bom!!
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